1º ato

30 de jun. de 2010

O poeta distraído foi embora carregando a máquina do lirismo emperrado. Desce o pano.

a dramaturga

29 de jun. de 2010

Kiki começava a escrever uma peça sobre o Interior. Personagens:
o poeta distraído
o que chega
quem vai
quem sai
quem não entra na história
os penduricalhos renitentes
a vaca que pasta.

(escrito à maneira delas)

15 de jun. de 2010

Nada, nem ninguém. Nada confere. Que tango! Esperando que um mundo seja desentranhado pela linguagem, alguém canta onde se forma o silêncio. Tanto peso nas pálpebras, Kiki, mal sustém o olhar. Era uma prosa completa, mal encadernada. Ela era do samba, virara um bolero mal sustenido. Escrevia isso para por à prova o fraco feixe de nervos da nuca – irão eles resistir ou ceder de novo, como tantas vezes cederam? Rasgava um monte de cartas, com alguma imprecisão, quem leria aquilo depois que ela morresse? Textos em mutação sempre, ela via o corpo esmagado de uma mariposa. Gelado e atordoante. Escrevia automaticamente, vento curto, pegando as pernas, grãos de areia, barulho límpido de gotas de água caindo na água, gerando apenas efeitos rápidos, império da eloqüência de um homem muito triste. O mundo dos repelentes e dos inseticidas. Clarice em “um sopro de vida” está tão óbvia que irrita o nervo do dente. Como assim? “Em cada palavra pulsa um coração”, mas, minha querida, assim não se chega a nada, nem as ondas de desejo quente podem contra esse mel. Seja cruel, mata me de amor, de loucura, de paixão. Seja minha guria, sua boca colada aqui, no poço do desejo. Eu te caço como um hiato, depois confesso que existem algumas compensações. Penso: e se eu abro as pernas pra HH. Hoje mesmo, me curvo ao seu cacete blasfemo? Assim, ó, meu bem, vem aqui e eu te engulo toda. Letra por letra. Sem a sobremesa da mamãe, a vida fica doce. Então Kiki passa a língua cinco vezes sobre as cartas de um sedutor. Se pudesse seduzir a morte, lamber-lhe as axilas, os pelos pretos, babar no seu umbigo. Não acredite nisso, dê ouvidos à maldade dos outros. Sua estupidez , Roberto, deixou um vazio aqui no jardim. Queres o verso ainda?! Por que razão H.H. estava assim tão brava, seus dedos de pimenta , velhos, apontavam na direção do peito de Kiki. A outra tirava a blusa e antes que algo pudesse ser feito, estava completamente nua no cinema. Plutôt la vie. O que se podia acrescentar àquele cartão. Kiki remoía a última dúvida. Por que as mulheres se tornam as ruínas de seu amor? Ela se ajeitava no fundo escuro da sala de projeção e dormiu durante o filme de sua vida. As pernas entreabertas, as mãos escorrendo em direção ao escuro. Ela às vezes ficava obcecada pela vida bastante profunda & semimística de uma mulher. Uma ode fragmentária. Esperava alguém que demorava. Era isso que se podia ler no Diário de Bitita, aquilo que uma negra escreve com muita fome, com dor no estômago vazio, com dor no sexo vazio. Ça ne me rendit ni triste ni revoltée. Kiki e ela, a branca e a negra, as duas se comendo num leito de flores verdes. E então nenhum grito, só babas, tudo molhado. Só lágrimas e cremes. A dor da Carolina, a dor de todo esse mundo. E agora, Amor? E vc? e Vc ? E vc? Kiki sorria pra negra, mas Carolina não viu. Só as mãos das duas entravam e saíam dos buracos todos do corpo. E elas nem sabiam do Amor do Rubem pela Paula, só sexo e devoção. O amor do velho pela flor da moita. A doce ditadura daquelas mãos, daquelas duas, que duas! Duas irmãs magrelas, duas uvas passas, maracujás de gaveta. E mesmo assim se molharam no leite e no mel das línguas frouxas, molhadas, dos olhos abertos para não perder um minuto daquilo que delas se despedia: o amor, o sexo, a arte, a beleza, não importa em que ordem. Kiki não ia chorar, ela prometera pra sua mãe: uma mulher não chora, não implora, uma mulher? Duas? Três? Quantas mulheres pra fazerem uma canoa deslizando no rio das antas? Laminha no fundo. Meus pelos se arrepiam entre as teclas. I ´m gonna love you. A lisboa escrita por Fernando Pessoa. Reescrita por Déguy. Aos pés daquela outra. Agora mais rouca. Mais cool. Uma loura, talvez. Por que não? Por que se concentrar? Tão fácil assim? Uma metáfora claríssima. Um cartaz de “verdade interna”? Nada consola o caminho daquela que está prestes a cair fora, saltar no ar. Como uma flor, uma flora inteira com sua metralhadora giratória. È pra vc., meu amor, flor da crítica, é pra vc. meu amor que ofereço esta canção. Nenhuma paixão pela palavra, só um lento mordiscar de língua, finjo que nada mais termina.

Crônica de uma tatuagem

11 de jun. de 2010

28 de fevereiro de ....Ela volta da praia, o sol, o sol, e ferroadas no pé dormente. Muita claridade, tudo muito claro. Pensa nele como um pássaro. Um que pousou e quer voar. Pensa nele como em um cão dado a uma pessoa sem amor. Pensa nele como um cão que pede amor a alguém. Ela sente ainda uma outra língua dentro de sua boca. Pensa nele o tempo todo como um mistério. Não sabe. Sabe. Pensa saber. Não sabe mais. A língua cria uma espécie de sortilégio lírico-abstrato. Sente-se presa num oco sem som. Talvez seja uma coruja esgotada. Uma coruja surda. Ele um pássaro, um cão. Só se encontram neste espaço furtivo. São dois. Mas poderiam ser mais. São dois? Mas poderiam não ser os únicos. Só os dois? Não, são mais... Ela não quer ficar triste. Ela não sua. Não há erros...Fica com as conchinhas.


2 de março de ...Ouve alguns estalidos no telefone. Tudo estala. Tudo estrela com várias pontas. Não há muito a ser dito. São palavras depositadas no fundo de uma terrina vazia. Nada mais de intuições e premonições, o sol entrou pela janela como um concerto de maritacas. Ela deseja que ele se afogue neste mar. Pensa que poderá esperar que a tempestade passe para sair do oco da árvore. Faz um voto, segredo despejado num oco...
Ok., não pára agora.

não se arrepie como um
gato ruivo.
Não destrua nada. Que triste!



3 de março de ...O peixe solta fiapos de si mesmo pela barriga. Está muito doente...O sol, o sol de um verão que já vai acabando. Os pelos da barba cada vez mais ruivos, os pelos do púbis cada vez mais ruivos. Os fios brancos que pintavam o corpo. Entre contabilidades, mostram um para ou outro as mãos vazias, o tanto que perderam. O peixe nada colado à parede lisa do aquário, parece cansado. Ela bate no vidro implorando que ele morra logo. Por trás, um cão raivoso espuma, late, ameaça morder. Ele não soube protegê-la do ataque das gaivotas. Ela emagreceu um kilo no dia do adeus. Um curto-circuito ameaça criar um apagão na cidade. Desligam todos os aparelhos das tomadas, esperam em vão o silêncio dos inocentes. Osso atravessado na garganta. A pata presa sob a gorda saudade. Eu te beijo e esqueço de retirar meus lábios... Cenário marinho. Um ouriço do mar. E tantas conchinhas quebradas com seus interiores madrepérolas. Um cavalo marinho, desterrado mergulha em outra praia. Um dia talvez retorne. A areia queima os pés dos meninos que brincam com uma bola vermelha. Um coração detonado. Fechar uma comporta. Abrir uma outra porta. Sair.


04 de março de ... Ela queima o pé na taturana. Nenhum documento recente. Ele, preso atrás das grades, come tamarindos, frutos ácidos. Primeiro a tempestade, agora garoa. Ontem, um calor de dar pena, dar dó, um dó, um nó. Ele transpira. Ela está totalmente entregue ao labor, ao suor daquela nuca: Tentam um acordo, as pontas do garfo da mágoa espetam por baixo da língua, muito ressabiados, vão saindo de si em direção a outros corpos, outras roupas, outros modos de amar. Saem para passear na cidade.


05 de março de....Sai o sol e se esconde.


06 de março de .... Quer apenas a intensidade. E o alívio. Não, não quer. Quer a língua dele. Ouve gritos na televisão...Os caracóis saberiam as intensidades dos nomes quando sussurrados, no pulmão, o ar borbulhar dentro das cavidades? Saberiam?


07 de março de .....Encara de frente uma águia cinzenta, enigma de bico aberto. As vozes estão passando por um fio e chegam de assalto, invadem seu ouvido como ameaças. Deposita o segredo no ouvido de Deus. Ela, agora, descansa a perna sobre o museu das lembranças. Beija longamente um pequeno olho de peixe. E recolhe no peito as conchinhas como um colar. Está se enfeitando.


08 de março de .....São cacos hoje. Juntam os pedaços. Os dois. Uma contabilidade arrasada. Não suporta mais ter perdido o nome. Não sabe mais quem é. Pergunta ao seu avô. Quem é você? Como chegou até aqui. Pousou no meu braço como um bichinho. Um inseto? Pensa nele o tempo todo. Gostaria de tomar um banho e esquecer. Tem medo de adoecer. Tem medo de sofrer demais. Talvez esteja sofrendo demais. Talvez esteja doente.

Nomes da coisa. A coisa, as coisas têm vários nomes ao anoitecer. Ver pôr-do-sol por aqui. A cidade. Os degredados. Saudades. Tristeza.
Preocupação. Já não tem mais apetite para conversas. Teme que destrua coisas? Não tem como destruir.. Está num
nasce-morre dos diabos. Não morreu no mar, ontem.
mudou-se para o mar.


09 de março de...A cidade se abre cedo. Muitas vidas se espalham pelas ruas vazias. Estava tão sonolenta...tão entregue. Deixava-se escorregar, deslizava por aquele mundo de imagens...Quer reter aquele momento em que suas almas conversaram em segredo, combinaram coisas sem que eles pudessem saber...


10 de março......Gatos escaldados sobem no muro. Miam.


11 de março de .....Nada...


12 de março de..... Vê a beleza. Não pode escrever agora. Os olhos despedaçados caíram no chão. Tudo se quebra ...Deliberadamente. Por necessidade. O bairro e suas meninas, seus meninos. Os corpos, os corpos os corpos quase nus, mendigos deitados nas calçadas, se coçam, se masturbam, sonham nas calçadas, amam ali mesmo. Um bairro sem disfarces? O dançarino que encobre seu rosto com um leque e expõe o sexo para a platéia. Abelha vermelha... No antebraço, uma tatuagem aberta. Flor pouco tanto vermelha. O bairro suas teias de aranha, esgotos. Janelas de vidro caem na cabeça das mulheres desavisadas. Mesas de vidro se espatifam. Se fosse só ficção ...: fio tênue onde se anda. Ao contrário...Sem medida. Os átomos. Usa óculos, mas não enxerga. Não vê. Não lê. Os olhos estão doentes.


13 e 14 de março de.....Está entre lá e cá. Entre um dia e outro. Entre um endereço e outro. Nem sabe mais quem é. Os dias curtos, as noites sobressaltadas. Quer beijar os arranhões do braço dele, lamber as feridas. Está tonta, talvez a tinta das tatuagens esteja com curare, ele se acha um tonto. Ele dorme, ela sempre acordada. Os olhos dele caíram no chão, despedaçados, goiabas esmagadas por patas raivosas. Eles ressurgirão de algum outro lugar, de um outro novo endereço. Os degredados líricos.


16 de março de.....Abre as coxas e puxa o fio da vida. Na ponta uma pérola perfeita.


17 de março de ......Que contrariedade! Sabe que vai ser mordida e seus ossos vão ser triturados sob a mandíbula de aço. O amor não gruda nos dentes, não gruda na língua. O olho dela não suporta. Desvia o rosto para não vê-lo na entrega amorosa. Os mosquitos, impedidos de pousarem na parede, morrem de exaustão... Inscreve uma frase no corpo e vê o próprio sangue. Micro-escritura corporal. Tatuagem. Amanhã ou depois, seu corpo será decifrado pelas formigas. Ele tem os olhos estilhaçados e não pode mais vê-la, ela vacila se deve manter a mão dele em concha sobre o ombro machucado. Pensa usar óculos diferentes para cada frase. Pensa estar doente dos olhos.O cavalo do tempo desembestou. O alarme diário toca com fúria.


18 de março de ....O ombro tatuado arde. Não pode fugir tanto. Vai à esquina e volta. Talvez invente um amor seguido de morte suave.


Dias 20, 21, 22 de março de .....O desejo tem cinco pontas que espetam. O arco da tatuagem cria mistério em torno dos nomes. As metáforas começaram a abandoná-la entre risadinhas maliciosas, ficará condenada ao literal. Para cada coisa terá de arrumar um nome novo. Rebatizar todos os móveis do apartamento. Ficariam inéditos, invisíveis, trocando os nomes a cada hora?


23 de março de .....Leu, leu tudo de enfiada. Muitas formas de trincamento nas imagens. Chorou mais exasperada que triste. De novo o nome apareceu com um brilho inegável ...Seus olhos também trincaram. Cada qual com seu dono...


24 de março de ......Cicatriza as feridas do antebraço com beijos untados com bálsamo, sentada ao lado dele na cama, enquanto ele afunda na tristeza sonolenta e vai abandonando-a aos poucos. Talvez se divirta fazendo poemas para mulheres fatais.


25 de março de .....O quarto está escuro. Todas as lâmpadas vão se queimando na casa. Depois de tudo, ainda ficarão os dois, tateando as coisas imóveis? O dedo destroncado não aponta em nenhuma direção. Os mergulhos na tela. Os afogamentos, um corpo se embrulha nas ondas, pensa ainda ao afogar-se no sal das palavras. Segura as coisas sem força nenhuma. Frestas de luz vermelha na escuridão. O bairro ainda às escuras e a bolsa sempre pendurada no trinco da porta.

Como se termina uma estória?

Ella dia 01

5 de jun. de 2010

Kiki entoou o mantra sagradoda poesia sem rédeas e seguiu rumo.
 
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