FROST FREE

28 de jul. de 2010

O drama iterativo parece resolver-se. Os Penduricalhos Renitentes colam-se à parede cênica como moscas pesadas no calor. Ana C. mergulha num banho de banheira raspando as pernas com gilete. Quem Sai sai de cena. O Poeta Distraído enterra-se com a máquina do lirismo emperrado no túmulo do samba. Quem Fica posiciona-se discreto no fundo do palco dando cobertura. O Anjo Todo Poderoso está suspenso no ar por um Deus ex Machina. Ele rege, vela, protege e ILUMINA Kiki com um holofote de mil volts azulado. Kiki enfeita-se. Kiki rebola nas tamancas.Tem fios dourados sobre o rosto e um espelho. É OXUM que desce. Cobre-a de ouro, perfume e glória. Ela sorri para a plateia virtual e es-que-ce.

aposta em cavalo

27 de jul. de 2010

O Anjo Todo comenta com Ana C.:

— Ela está assim porque apostou uma fortuna num Cavalo e perdeu.

Ana C. vira-se para ele e diz:

— Isso é pura encenação. Kiki é uma movie star de filme B com firulas de Dama do Teatro. Já sai da personagem com um turbante de Carmem Miranda. Disse "fraturo as duas mãos no carnaval. uma doença grave esse amor sem braços"...ou fui eu? Tudo se confunde nesse teatro mambembe.

drama iterativo

26 de jul. de 2010

Kiki reaparece em cena com maquiagem de Teatro Kabuki. Dos olhos escorre sangue, como se estivessem vazados:

— Não temeis: o sangue é cênico! Deixo sair o excesso. Temei pela canalhice dos fracos!

buemba buemba‏

23 de jul. de 2010

Kiki grita da coxia:

— sou uma bomba sanguínea. Gozo e remorso. Remorso e gozo.

O Anjo balança a cabeça:

— sem controle. Melhor rezar e esperar passar.

Os Penduricalhos estão nervosos, sem leite entram em crise de abstinência.

só drama‏

22 de jul. de 2010

Kiki sai de cena.

O Anjo Todo Poderoso chora no proscênio:

— Quantos atropelamentos. quantos bem-te-vis mortos!

Ouvem-se vozes de um coro impossível de anjos

— Crux Sacra Sit Mihi Lux,
Non Draco Sit Mihi Dux
Vade Retro Sátana
Nunquam Suade Mihi Vana
Sunt Mala quae Libas
Ipse Venena Bibas!

pequeno mosquito‏

21 de jul. de 2010

Kiki se impacienta:

— Um pequeno mosquito preso no cristalino do meu olho!

Do fundo do cenário, Uma Voz:
— É a trave bíblica. Guarda-te para maiores delícias!

Kiki envolve a cabeça com um turbante. Ela se prepara para Quem Chega.

jamais plus‏

20 de jul. de 2010

Kiki vira-se para coxia e reclama:

— Falta ação nesta peça! Falta um diretor! Falta cenário! Falta dramaturgia!...


O Anjo diz:

— Acalma-te, Minha Loucura...Quem chega trará novidades.

Kiki :

— Jamais plus! Jamais plus!

já vi este filme‏

19 de jul. de 2010

O poeta distraído cruza o palco da esquerda para direita carregando a máquina do lirismo emperrado. Caem algumas teclas.

Kiki balança a cabeça descrente:
— Já vi este filme. The same old shit. Não cabe num bueiro de si.

Entra um dos Penduricalhos Renitentes:

— A elefante grávida se assusta com os chutes do filhote.

(Silêncio)

Na luz desse dia D

18 de jul. de 2010

Kiki chama o Anjo Poderoso para dançar. Eles dançam ao som do "Não enche" de Caetano Veloso

Kiki improvisa uma letra:

— E se as pessoas pudessem ver tudo na luz desse dia D?
E se as pessoas pudessem ver a luz de tudo nesse dia D.?
E se as pessoas pudessem mandar anunciar a luz do dia à luz do dia D?
E se...nos deixassem gozar a luz desse dia D, à luz desse dia D.?

(Ela parece quicar no chão)

O Anjo Poderoso ofegante responde

— "No es sueño la vida! Alerta!Alerta! Alerta!" (Federico García Lorca)

O sonho come o próprio sonho

17 de jul. de 2010

Kiki tira o soutien Gaultier ( Kika no filme de Almodóvar)

— Esgotei o leite! Virem-se!

Reviravolta no palco. Todas as personagens em cena mudam as posições. Kiki parece calma e furiosa. Ela diz a famosa frase de Artaud:

— O sonho come o próprio sonho.

Ana C. ensaia responder

15 de jul. de 2010

Ana C., ao fundo do bar, ensaia responder:

— hoje termina mais cedo? termina quando termina. a membrana do dia recoberta . ensaio uma possessão respirável. as mamas, as tetas do mundo se oferecem às garras dos gatos. gataria fugindo por um buraco íntimo e mínimo. li o horóscopo que não condiz que sexo já é uma vitória sem presepadas. não amoleça. esmoreci. ele me contou com o respiro curto do bebê no CTI: Usted es una mano. El mouse (o las teclas de direcion) son sus piernas. Depois disso, ensaio ir embora, escorregar com o corpo ensaboado. Mas ele quer me ver novamente com olhos de artefato.

14 juillet. Allons, enfants

14 de jul. de 2010

Quem Fica, sentada à mesa, ao lado, vira-se para a Platéia Oculta e diz:

— Ana C. aflitíssima! Kiki não deixa passar nada...

Kiki levanta-se em dervir mínimo, já outra, não é ainda a outra.

— Não sei conjugar este verbo, Doçura. Não faça climas com fragmentos de um discurso amoroso. Entre o jaguar e a jaguatirica, jaguadar-te!

cenário

13 de jul. de 2010

Kiki e Ana C. numa espécie de bar. Ouve-se Billy Paul cantando Mr and Mrs Jones.

Kiki parece deslocar cutículas com a ponta do dente.
Ana C., aflita, diz:
— Não para, não para, não para agora.
Kiki volta-se:
— "Ana? Sei teu nome?"

Kiki recebe Ana C.

11 de jul. de 2010

Kiki recebe Ana C.(ator homem) que veste o famoso casaco vermelho e óculos escuros.

Entre terna e irritada, Ana C. diz:
— Comigo, gozo, só na beiradinha. Não entra, baby. Não consigo te dizer da minha ternura?

Kiki diz:

— Atura-me.

Monólogo do Interior

9 de jul. de 2010

Kiki escreve uma carta ao psicanalista. Ela está sentada no divã.

(ouve-se a voz de Kiki gravada)



— Querido, ontem o Estranho bateu à minha porta. Estou dispensando. Penso em vc. todo dia. Depois, dispenso também, nada a fazer com o Inconsciente. Comprei no Ponto Frio uma máquina desejante. Sinto dores no útero. Sou só corpo com órgãos. Depois conto mais. Bjos, Kiki

hoje

8 de jul. de 2010

Kiki despede o Anjo



O telefone toca.

Ela desaparece atrás da cortina. Ouve-se uma conversa com Avulso:

Sim, querido,

— nem ele, nem ela importam



só a sístole e a diástole.





(Voz do Anjo)

Kiki varia muito o paladar. Bitch

cena com o Anjo Poderoso‏

7 de jul. de 2010

No canto esquerdo do palco a figura do Anjo Poderoso

Ele avisa Kiki:
— Cuidado ele não passa de walking disaster.

Kiki sacode a iniquidade do dia.

em cena

6 de jul. de 2010

Nua no palco, Kiki diz com voz de contralto:

Há palcos azuis, infinitas esquinas...
Músicas colam em mim pela manhã!

terceiro ato‏

5 de jul. de 2010

Kiki disse:
pássaros cantam loucamente aqui! O clima está seco, morrem de sede.

(ela se move lentamente)

kiki em cena ainda

3 de jul. de 2010

Kiki cospe à distância pequenos fragmentos de goma-gosma.
Não lembro quem entra, quem sai...

2º ato

1 de jul. de 2010

(sala vazia. uma cadeira. um laço de pedra ao chão)
Kiki acende cigarros com fósforos queimados.
cai o pano
 
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