(escrito à maneira delas)

15 de jun. de 2010

Nada, nem ninguém. Nada confere. Que tango! Esperando que um mundo seja desentranhado pela linguagem, alguém canta onde se forma o silêncio. Tanto peso nas pálpebras, Kiki, mal sustém o olhar. Era uma prosa completa, mal encadernada. Ela era do samba, virara um bolero mal sustenido. Escrevia isso para por à prova o fraco feixe de nervos da nuca – irão eles resistir ou ceder de novo, como tantas vezes cederam? Rasgava um monte de cartas, com alguma imprecisão, quem leria aquilo depois que ela morresse? Textos em mutação sempre, ela via o corpo esmagado de uma mariposa. Gelado e atordoante. Escrevia automaticamente, vento curto, pegando as pernas, grãos de areia, barulho límpido de gotas de água caindo na água, gerando apenas efeitos rápidos, império da eloqüência de um homem muito triste. O mundo dos repelentes e dos inseticidas. Clarice em “um sopro de vida” está tão óbvia que irrita o nervo do dente. Como assim? “Em cada palavra pulsa um coração”, mas, minha querida, assim não se chega a nada, nem as ondas de desejo quente podem contra esse mel. Seja cruel, mata me de amor, de loucura, de paixão. Seja minha guria, sua boca colada aqui, no poço do desejo. Eu te caço como um hiato, depois confesso que existem algumas compensações. Penso: e se eu abro as pernas pra HH. Hoje mesmo, me curvo ao seu cacete blasfemo? Assim, ó, meu bem, vem aqui e eu te engulo toda. Letra por letra. Sem a sobremesa da mamãe, a vida fica doce. Então Kiki passa a língua cinco vezes sobre as cartas de um sedutor. Se pudesse seduzir a morte, lamber-lhe as axilas, os pelos pretos, babar no seu umbigo. Não acredite nisso, dê ouvidos à maldade dos outros. Sua estupidez , Roberto, deixou um vazio aqui no jardim. Queres o verso ainda?! Por que razão H.H. estava assim tão brava, seus dedos de pimenta , velhos, apontavam na direção do peito de Kiki. A outra tirava a blusa e antes que algo pudesse ser feito, estava completamente nua no cinema. Plutôt la vie. O que se podia acrescentar àquele cartão. Kiki remoía a última dúvida. Por que as mulheres se tornam as ruínas de seu amor? Ela se ajeitava no fundo escuro da sala de projeção e dormiu durante o filme de sua vida. As pernas entreabertas, as mãos escorrendo em direção ao escuro. Ela às vezes ficava obcecada pela vida bastante profunda & semimística de uma mulher. Uma ode fragmentária. Esperava alguém que demorava. Era isso que se podia ler no Diário de Bitita, aquilo que uma negra escreve com muita fome, com dor no estômago vazio, com dor no sexo vazio. Ça ne me rendit ni triste ni revoltée. Kiki e ela, a branca e a negra, as duas se comendo num leito de flores verdes. E então nenhum grito, só babas, tudo molhado. Só lágrimas e cremes. A dor da Carolina, a dor de todo esse mundo. E agora, Amor? E vc? e Vc ? E vc? Kiki sorria pra negra, mas Carolina não viu. Só as mãos das duas entravam e saíam dos buracos todos do corpo. E elas nem sabiam do Amor do Rubem pela Paula, só sexo e devoção. O amor do velho pela flor da moita. A doce ditadura daquelas mãos, daquelas duas, que duas! Duas irmãs magrelas, duas uvas passas, maracujás de gaveta. E mesmo assim se molharam no leite e no mel das línguas frouxas, molhadas, dos olhos abertos para não perder um minuto daquilo que delas se despedia: o amor, o sexo, a arte, a beleza, não importa em que ordem. Kiki não ia chorar, ela prometera pra sua mãe: uma mulher não chora, não implora, uma mulher? Duas? Três? Quantas mulheres pra fazerem uma canoa deslizando no rio das antas? Laminha no fundo. Meus pelos se arrepiam entre as teclas. I ´m gonna love you. A lisboa escrita por Fernando Pessoa. Reescrita por Déguy. Aos pés daquela outra. Agora mais rouca. Mais cool. Uma loura, talvez. Por que não? Por que se concentrar? Tão fácil assim? Uma metáfora claríssima. Um cartaz de “verdade interna”? Nada consola o caminho daquela que está prestes a cair fora, saltar no ar. Como uma flor, uma flora inteira com sua metralhadora giratória. È pra vc., meu amor, flor da crítica, é pra vc. meu amor que ofereço esta canção. Nenhuma paixão pela palavra, só um lento mordiscar de língua, finjo que nada mais termina.

 
Kiki Peixoto © 2008. Templates Novo Blogger