Enquanto criava mitos de si própria - muita basófia esquenta a alma como cachaça - Kiki punha a pata sobre o malfeito.
Ela todamava o tio Mario como quem bebe o contraveneno da conversa fiada
“Não sou mais eu nunca fui eu decerto/ Aos pedaços me vim-eu caio-aos pedaços disperso/Projetado em vitrais nos joelhos nas caiçaras/ Nos Pirineus em pororoca prodigiosa/Rompe a consciência nítida: Eu TUDO-AMO” Mario de Andrade In. Carro da Miséria
....penetra no cérebro com agulhas de gelo (Aluízio Azevedo)
Mundo lateja.
Formas sob efeito da luz do sol, tudo treme.
Dentro e fora. Meio cega? Força a vista do lado torto. Cabeceia. Vai e volta dá de cara na parede. Luzes brancas parecem voejar em torno. Pequenos pássaros ameaçadores. Chupa gelo. Pisa em pregos.
Sente o ar mais leve e respira fundo. Esquece o nome; como se chamava mesmo? Passa na rua e não reconhece. Esquece de que lado da cama dormia. Nunca mais lembra. Não faz falta. O barulho em volta. A memória um risco. Fotos e cartas no processador, faz um suco e bebe. Beber os mortos com canudinho e gelo picado
nenhuma emoção. Suspende o pincel. Imóvel a mão: nenhuma cor. Apaga o que escreveu. Folha em branco: nenhuma confissão. Interrompe no meio o gesto. Repousada a Língua: nenhum beijo. Trava o movimento cintura abaixo. imóveis os quadris: nenhuma culpa Segura o mundo por um minuto. imóvel o mundo: nenhum arrependimento.
Então ela mergulha e a "frase não para no meio",não para, a dor não para, mergulha com ele quando "tudo é noite", mergulha e os gatos arranham o fundo d´alma. Ela pede calma ao Boi Paciência. No meio da festa, o peito arrasta no fundo do grande rio. O coração pesado do Poeta, a respiração difícil de Kiki. Tudo são entranhas do amanhã.